O MILAGRE DA PORTA

O primeiro milagre atribuído a Nossa Senhora da Penha, em São Paulo, consistia no reaparecimento inexplicável da imagem no local de pernoite do viajante francês conforme narramos acima. Outro feito miraculoso da Virgem da Penha é denominado “Milagre da Porta” e é descrito pelo historiador penhense Sylvio Bomtempi em sua obra Penha Histórica. Trata-se, na verdade, de um milagre entre os infindáveis relatos de graças e prodígios registrados no Santuário Paulistano da Penha de França, onde se encontra a veneranda imagem milagrosa da Virgem. Tal episódio não é tão conhecido ou ficou esquecido no tempo.

Era o ano de 1685, pouco após o óbito do Padre Jacinto Nunes de Siqueira. O então bispo do Rio de Janeiro, Dom José de Barros de Alarcão, em visita pastoral a São Paulo, onde permaneceu por alguns anos, deixou um legado de imposição de novas e excessivas taxas eclesiásticas e descontentamentos daí resultantes. Uma de suas obras na região central da Cidade foi a construção de um Recolhimento para religiosas. Ciente da popularidade e do apego devocional de grande parte da população paulistana a Nossa Senhora da Penha, decidiu Dom Alargão transferir a bendita imagem da Virgem de sua capela no longínquo e bucólico bairro da Penha de França para a Casa que ele já idealizava, no centro de São Paulo, como “Recolhimento de Nossa Senhora da Penha”. Com isso, o Recolhimento ganharia fama e riqueza, pois o nome e a imagem da Senhora da Penha eram tão conhecidos e prodigiosos que dispunham de uma quantidade significativa de bens e donativos oferecidos pelos devotos em agradecimento por graças alcançadas.

A decisão do Bispo recaiu como um apocalipse sobre os humildes moradores da Penha, que não se conformavam e não aceitavam separar-se de sua Mãe querida, representada em tão privilegiada efígie.

Chegando o trágico dia previsto para a lastimosa transladação da imagem para o Recolhimento, numerosas mulheres piedosas do povoado da Penha acorreram à capela logo cedo, tal como Madalena indo ao sepulcro na manhã da Ressurreição. Encontrando a capela com a porta fechada, caíram, de joelhos, em desesperado pranto, acreditando já ter sido levada, às escondidas, a bendita imagem para a Cidade. Uniram-se a essas mulheres, em pouco tempo, um sem-fim de devotos, que, com o coração tomado por sentimento de orfandade e abandono, derramavam lágrimas enquanto elevavam preces e clamores doridos diante da porta cerrada. Seria este o destino frustrante daquele povo simples, que encontrava na fé a motivação maior de suas vidas e a alegria de seus dias em local tão abençoado?

Tendo a Virgem Maria escolhido aquele penhasco para sua morada, nada e ninguém poderia ir contra sua santa vontade. Assim o fez o viajante francês, que compreendeu o desejo de Nossa Senhora de ali permanecer e realizar sinais em favor dos seus filhos, tornando aquele lugar um espaço privilegiado de encontro com Deus. Poderia uma determinação episcopal, movida, sobretudo, por interesses pessoais e desejo de fama, ser mais forte que a vontade da Mãe de Deus, que decidira ali permanecer com seus filhos? Evidentemente que não! E eis que, em meio às lágrimas de todos aqueles primeiros devotos da Virgem, a porta da Capela, sem que ninguém a tocasse, milagrosamente se abriu, talvez movida pelas mãos invisíveis dos anjos do Senhor. E aqueles homens e aquelas mulheres puderam verificar que, no alto do altar mor permanecia, intacta, a imagem prodigiosa de Nossa Senhora da Penha, como que sinalizando aos seus filhos que a vontade divina prevalece sobre a humana, e que o Senhor Deus Libertador é do lado dos pobres, dos humildes, tal como Maria canta no seu Magnificat. O que era pranto tornou-se risos, louvores e gritos de vivas a Nossa Senhora da Penha, acompanhados por lágrimas agora motivadas pela alegria e pela satisfação de mais uma graça alcançada. E da Penha de França nunca mais a imagem da Virgem saiu a não ser que fosse para aplacar as intempéries que recaíam sobre a cidade. Encontra-se ela, até hoje, exposta no nicho central da Basílica, onde é visitada e venerada por seus devotos. O milagre assim estava feito, tornando-se conhecido e comentado, ainda que não tenha chegado com a mesma popularidade a nossos dias.

A História registra que Dom Alargão, ante a oposição irrevogável do povo da Penha e mesmo não dando crédito ao fato da porta que sozinha e inexplicavelmente se abriu, abandonou seu plano de remoção da imagem e deu o nome de Santa Teresa ao Recolhimento que havia fundado na região central da cidade. 

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